quarta-feira, 25 de abril de 2012

II - 25/04/2012

 
 - Oi, Raul! – Disse assim que me aproximei dele.

 - Oi! – Respondeu com aquela cara de “quem é você?”
- Eu sou Cecília! Me meti na sua conversa com o treinador dias atrás. – Que ótimo exemplo para alguém se lembrar de você. 


 - Há, sim! – Acho que ou ele lembrou de mim ou da fatídica conversa.
- Er... Eu queria te pedir desculpas por aquilo, não tive intenção de ouvir nada que não era da minha conta, mas é que... 


 Ele me interrompeu. - Não tem problema! Eu mais do que ninguém conheço o temperamento do treinador. Qualquer um escuta seus gritos há mil metros de distância.
- Ele estava bem chateado naquele dia.


 - É, estava... – Me senti uma pouco incomodada, pois percebi que aquela conversa estava trazendo de volta lembranças ruins para ele. – Mas metade daqueles gritos eu mereço ouvir.

 - Por quê? – Perguntei um pouco surpresa e indignada.
- Eu sou o representante da faculdade na modalidade de saltos ornamentais. Temos uma competição dentro de duas semanas e eu não consigo saltar da plataforma maior. 


Dei uma rápida olhada para a plataforma e não pude deixar de concordar que era impossível saltar dali.

 - Mas se você treinar vai conseguir. – Não sei de onde estava tirando aquilo, já que só de olhar para cima eu tremia de medo.
- Eu treino. Já tem dois anos. – Disse com tom de amargura. – Mas ainda tenho uns dias para tentar. Se você quiser aparecer no dia da competição, sinta-se à vontade. 


 - Obrigada pelo convite, vou estar aqui torcendo.
- Falô! Agora tenho que ir! 


 Ele saiu, e eu fiquei parada observando... Depois me bateu uma vontade tão grande de seguir o conselho da Alicia de transformar aquele treinador em um elefante, que precisei balançar a cabeça para colocar tudo no lugar novamente. É o que dar conviver com doidinhas...

 Durante as semanas que se passaram, ensaiava com o Gustavo todas as terças e quintas. Claro que ele sempre reclamava de tudo e demorava bastante para decorar um pedaço do texto.

 Mas acho que o trabalho estava sendo recompensado, pelo menos conseguimos finalmente sair do primeiro ato da peça depois de quatro dias de ensaio.

 Só que a novidade não era essa... Contando esse tempo que a gente está passando junto, ele está menos chato e conseguimos até conversar sem brigar por mais de meia hora.

 Mas isso era só dentro da sala de música, por que nos corredores da faculdade, ele voltava a ser o chato e perturbado de sempre, e eu nem lhe dirigia a palavra.

 Então, faltando apenas quatro dias para a apresentação, tivemos nosso último ensaio... Ele ganharia o diploma de “ator” e eu, a minha carta de alforria.


 - Nossa, Cecília, nem acredito que tudo isso entrou na minha cabeça.
- É... Foi um feito e tanto. Mas como eu era sua professora... O impossível se tornou possível. – Porque perto dele eu me transformava em outra pessoa? Isso é um bom caso de estudo. 


 - Ta dona sabe tudo! – Disse rindo. – Você bem que poderia se vestir de “ Albert” e fazer o personagem no meu lugar.
- Não posso... Esqueceu que eu sou a Erenita? Prima da noiva do Albert?


 - Sua colega estava fumando alguma coisa no dia que escreveu essa peça e inventou esses nomes, pode ter certeza.
- Ela só é autêntica. – Certo! Eu sou péssima para mentir, a peça poderia ter um roteiro maravilhoso, mas esses nomes não são nada autênticos... Só que é óbvio que eu vou defender a minha classe de intelectuais.


 - Valeu por tudo! Sério mesmo... – Lá vem ele mudando o assunto em segundos. - Não sei o que seria de mim se você não tivesse me ajudado.
Aquela conversa estava bem estranha para o meu gosto e eu tratei de por um fim nela bem rápido. – Fico feliz que tenha conseguido decorar tudo, mas agora eu tenho que terminar de decorar a minha... Não esqueça de revisar tudo antes do dia.


 E rapidamente sai da sala da música, dessa vez sem encontrar o Raul.

 Espera? Porque eu estou pensando nisso?

quarta-feira, 18 de abril de 2012

II - 18/04/2012

 - Onde você se meteu? – Perguntei, antes que ela começasse o falatório.

 - Eu estava no meu quarto, onde mais?

 Dessa vez ela não iria me enganar com aquele sorriso de uma ponta a outra. – Eu te segui ontem, Alicia! Vi você entrando no banheiro, depois... – Eu hesitei em falar o resto, mas estava decidida... Queria a verdade.
 
 - Depois vi uma luz estranha saindo do banheiro e quando entrei, você tinha desaparecido. – Me arrepiei só de lembrar aquela cena.

- Você me seguiu? – Perguntou surpresa.
- Claro! Você saiu do refeitório parecendo um foguete... Fiquei preocupada.

 - Mas eu fiquei no banheiro. Já dessa luz estranha eu não sei do que se trata, por que fiquei dentro da caixa verde onde fica o copo grande de fazer xixi.
- Você...Não... Ficou no banheiro. – Falei cada palavra bem devagar e com precisão.


 - Eu... Estava... Sim! - Repetiu da mesma forma. - Vi quando você entrou. Fiquei escondida na caixa verde que estava cheia de vassouras, só tranquei a porta e subi no copo grande morrendo de medo de pisar naquela água que tem dentro.

 Vendo meu silêncio ela continuou. – Depois eu vi você saindo, esperei um pouco e fui correndo para o meu quarto.

 - E o que levou você a se esconder de mim?
- Acho que aquela gosminha vermelha que a gente estava comendo não me fez bem! Eu senti vontade de botar tudo para fora e fui correndo. Isso é tão nojento de vivenciar, imagine de olhar. – Falou com nojo


 - Poderia ter pedido ajuda que a gente te levava para o posto médico do campus.
- Eu fui no outro dia de manhã, agora estou melhor do que nunca. – Falava de modo engraçado. – Mas estou aqui para você me passar tudo que perdi da aula de hoje


 É claro que eu não engoli aquela conversa fiada, a cara que ela fez quando eu disse que a segui foi a prova, mas eu já aprendi uma coisa nesse tempo que estou convivendo com a Alicia... Paciência é uma virtude, e eu tenho que esperar o momento certo.

 Para piorar, tinha me esquecido do trato com o Gustavo. Como era sexta-feira, dei um jeito de colocar um bilhete debaixo da sua porta, avisando que no outro dia bem cedo iríamos ensaiar.

 E como uma professora exemplar, eu estava lá na hora marcada, já ele...

 - É algum tipo de vingança marcar isso às oito horas de uma manhã de sábado? – Foi a primeira coisa que falou assim que entrou na sala de música, quase uma hora depois do combinado.
- Absorvemos o conteúdo com mais facilidade nas primeiras horas da manhã. – Disse com deboche. – É melhor começarmos cedo, pois terminamos cedo.
Isso não era uma mentira... 


 - Faça como quiser. Eu dei uma olhada nesse texto ontem, e cá entre nós... Isso é queimação geral! O que aquela criatura estava comendo quando escreveu isso?
- É uma história de amor, como qualquer outra. E você como o personagem principal, precisa se dedicar. Podemos começar? 

 Confesso que achei que ia ser mais fácil, só que o colega não estava cooperando de forma nenhuma. Parava diversas vezes para reclamar do texto, ou que não ia falar uma determinada frase por achar “gay demais”.

 Quando estava se aproximando do meio-dia, achei mais seguro parar. – Pronto! Acho que por hoje já chega. Podemos marcar a próxima para depois de amanhã?
- Fazer o que né? Eu tenho outra opção? Ou você acha que já sou um ator nato de Hollywood?

 - Não tem outra opção! – Resolvi fingir que ouvi apenas a primeira indignação. - Então está marcado, nos encontramos aqui depois da aula.

 Ele não falou nada diretamente para mim, mas saiu resmungando. – Eu tenho certeza que fui uma assassina em outra vida para merecer isso agora.

 Depois de verificar que estava tudo em ordem na sala da turma de música, resolvi voltar para a república.


Mas quando estava saindo, vi o Raul parado contemplando a piscina. 

 Lembrando o vexame que foi quando nos conhecemos, resolvi falar com ele.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Cap. 2 - Mudança de rotina.

 Depois de ficar paralisada por cinco segundos, consegui correr para dentro do banheiro.

 Mas assim que entrei tomei outro susto... O mesmo estava completamente vazio...

 Querido diário, não tive coragem de voltar para o refeitório. Ainda estou em choque, pois não consigo tirar da minha cabeça o que aconteceu no banheiro.

 Estou tentando de todas as formas entender aquilo tudo, mas estava muito difícil... Já que ela simplesmente desapareceu na minha frente!

 Preocupados com a minha demora, a Fabi e o Mateus bateram aqui para saber o que tinha acontecido e eu inventei que ela tinha se trancado no quarto reclamando de dor de cabeça e eu tinha optado por não incomodar. Também que acabei me esquecendo deles lá embaixo e fui para o meu quarto.

Se eles acreditaram não sei... Mas que eu estou confusa há isso estou... Você não estaria louco se visse sua amiga desaparecer do banheiro que tinha entrado segundos antes? E aquela luz azul? Espero que esteja tudo bem com ela... Pois amanhã eu vou matá-la por me fazer ficar preocupada.

 Só que no outro dia, as coisas foram ficando piores... Ela não apareceu para nenhuma aula da manhã.

 Minha sorte foi que o Mateus tinha aula de piano de tarde e a Fabi estava estudando com sua turma para concluir um trabalho.

 Parecendo irmã gêmea da Alicia em termo de loucura, aproveitei que meus amigos estavam ocupados para ir toda hora no banheiro a procura de pistas.

 Aceitando minha derrota, resolvi voltar para o meu quarto, mas ao sair do local dei de cara com o Gustavo.

 - Er... Oi! – Disse fingindo surpresa.
Já eu, resolvi dá uma de operadora de telemarketing. – No que posso ajudá-lo? 


 - Olha, eu vim na paz, ta certo? Não pense que está sendo fácil para mim...
Aquilo nem tinha começado e eu já estava me irritando. – Então porque está aqui fazendo esse “GRANDE” esforço? 

 
 - Por que eu vim te propor uma aliança.

 Fiquei muda, aquilo era demais para mim.

Ele continuou. - Vou aproveitar seu silêncio para falar do que se trata.
Muito engraçadinho para o meu gosto. 

 - Eu não quero estar nessa peça, nem seus amigos teatrais me querem lá, mas nenhum de nós temos escolhas... - Ele deu um longo suspiro para retomar as forças e continuar. - Eu preciso fazer isso para ter meus créditos com a diretora e vocês querem que tudo saia perfeito no dia.
- Então? – Interrompi aquela narração de jogo de futebol completamente impaciente. 

 - Então... Eu proponho uma aliança. Você me ajuda a decorar essas coisas, eu aprendo como um bom menino e tudo sai lindo na apresentação. - Ele com certeza estava debochando da minha cara.

 - Esse é o seu modo de pedir ajuda? – Não tive como esconder minha surpresa, durante todo esse ano era a primeira vez que troquei mais do que três palavras com ele, e estava sendo pior do que eu tinha imaginado.
- Pense como quiser. – Disse o grosso. – Eu prefiro achar que é uma troca justa. 


 - Tem outras pessoas na peça para você propor essa aliança.
- Mas você e aquela novata são as únicas que moram aqui, fica mais fácil. Só que... – Ele parou um tempo antes de continuar, parecia que estava escolhendo as palavras. – Eu não fui muito com a cara dessa novata, ela é esquisita. 

- Está bem, Gustavo. – Ele não estava mentindo em relação à Alicia, imagina se eu falo o que aconteceu ontem? - Se é para o bem geral... Eu ajudo você, mas...
- Concordo plenamente! – Ele agora estava dando um de advinho. – Ninguém precisa saber disso, não precisamos fingir que somos amigos, para mim está ótimo, me dá o número do seu celular que eu te ligo e a gente marca um lugar para os ensaios. 


 - Eu não tenho celular... – Disse com mais raiva ainda. Por que todo mundo para se comunicar precisa ter um aparelho de telefone? É por isso que hoje em dia ninguém mais se vê e estão mais distantes umas das outras.
- Você não tem celular? – Perguntou incrédulo. Normal, não era a primeira vez que alguém reagia assim quando eu falava isso. Até a Fabi no dia que nos conhecemos abriu a boca até o chão de surpresa.

 
 - Não tenho e não é porque vou ter que falar com você que vou na loja correndo comprar um. A gente mora no mesmo lugar, estudamos na mesma sala, então não se preocupe... Vou dar um jeito de te falar o local dos ensaios e o dia. Satisfeito?
- Beleza! 

 E só com esse “beleza” ele deu as costas e saiu.

 "Eu to merecendo viu!" – Pensei com meus botões. Além de ter que me preocupar com o desaparecimento da Alicia, agora tenho que treinar minha paciência com aquele insuportável.

 Só que as surpresas não pararam ali. Assim que entrei no quarto quase morro do coração, isso é bom porque posso atestar que não tenho problemas cardíacos. Eu não sabia que ficava com raiva ou feliz, mas eu estava feliz.

 - E aí bem? – Lá estava ela, com aquele sorriso no rosto. Minha vontade era de esmagá-la, só que eu quero esclarecer as dúvidas que estão perturbando minha cabeça primeiro...Depois vejo como matá-la...