- Oi! – Respondeu com aquela cara de “quem é você?”
- Eu sou Cecília! Me meti na sua conversa com o treinador dias atrás. – Que ótimo exemplo para alguém se lembrar de você.
- Há, sim! – Acho que ou ele lembrou de mim ou da fatídica conversa.
- Er... Eu queria te pedir desculpas por aquilo, não tive intenção de ouvir nada que não era da minha conta, mas é que...
Ele me interrompeu. - Não tem problema! Eu mais do que ninguém conheço o temperamento do treinador. Qualquer um escuta seus gritos há mil metros de distância.
- Ele estava bem chateado naquele dia.
- É, estava... – Me senti uma pouco incomodada, pois percebi que aquela conversa estava trazendo de volta lembranças ruins para ele. – Mas metade daqueles gritos eu mereço ouvir.
- Por quê? – Perguntei um pouco surpresa e indignada.
- Eu sou o representante da faculdade na modalidade de saltos ornamentais. Temos uma competição dentro de duas semanas e eu não consigo saltar da plataforma maior.
- Mas se você treinar vai conseguir. – Não sei de onde estava tirando aquilo, já que só de olhar para cima eu tremia de medo.
- Eu treino. Já tem dois anos. – Disse com tom de amargura. – Mas ainda tenho uns dias para tentar. Se você quiser aparecer no dia da competição, sinta-se à vontade.
- Obrigada pelo convite, vou estar aqui torcendo.
- Falô! Agora tenho que ir!
Ele saiu, e eu fiquei parada observando... Depois me bateu uma vontade tão grande de seguir o conselho da Alicia de transformar aquele treinador em um elefante, que precisei balançar a cabeça para colocar tudo no lugar novamente. É o que dar conviver com doidinhas...
Durante as semanas que se passaram, ensaiava com o Gustavo todas as terças e quintas. Claro que ele sempre reclamava de tudo e demorava bastante para decorar um pedaço do texto.
Mas acho que o trabalho estava sendo recompensado, pelo menos conseguimos finalmente sair do primeiro ato da peça depois de quatro dias de ensaio.
Só que a novidade não era essa... Contando esse tempo que a gente está passando junto, ele está menos chato e conseguimos até conversar sem brigar por mais de meia hora.
Mas isso era só dentro da sala de música, por que nos corredores da faculdade, ele voltava a ser o chato e perturbado de sempre, e eu nem lhe dirigia a palavra.
Então, faltando apenas quatro dias para a apresentação, tivemos nosso último ensaio... Ele ganharia o diploma de “ator” e eu, a minha carta de alforria.
- Nossa, Cecília, nem acredito que tudo isso entrou na minha cabeça.
- É... Foi um feito e tanto. Mas como eu era sua professora... O impossível se tornou possível. – Porque perto dele eu me transformava em outra pessoa? Isso é um bom caso de estudo.
- Ta dona sabe tudo! – Disse rindo. – Você bem que poderia se vestir de “ Albert” e fazer o personagem no meu lugar.
- Não posso... Esqueceu que eu sou a Erenita? Prima da noiva do Albert?
- Sua colega estava fumando alguma coisa no dia que escreveu essa peça e inventou esses nomes, pode ter certeza.
- Ela só é autêntica. – Certo! Eu sou péssima para mentir, a peça poderia ter um roteiro maravilhoso, mas esses nomes não são nada autênticos... Só que é óbvio que eu vou defender a minha classe de intelectuais.
- Valeu por tudo! Sério mesmo... – Lá vem ele mudando o assunto em segundos. - Não sei o que seria de mim se você não tivesse me ajudado.
Aquela conversa estava bem estranha para o meu gosto e eu tratei de por um fim nela bem rápido. – Fico feliz que tenha conseguido decorar tudo, mas agora eu tenho que terminar de decorar a minha... Não esqueça de revisar tudo antes do dia.
E rapidamente sai da sala da música, dessa vez sem encontrar o Raul.
Espera? Porque eu estou pensando nisso?